20 de março de 2011

José, o filósofo

José era o seu nome. Tinha doze anos e era um menino franzino, fraquinho, talvez por conta da fome que passava. As dificuldades eram enormes, sua família era paupérrima. A mãe, viúva de meia idade, ganhava a vida e alimentava as sete bocas, sua prole, com o suado dinheiro das lavagens de roupa. O dinheiro que recebia só dava para comer, mas isso não era empecilho para a prática da caridade. Em sua casa, abrigava, vez por outra, parentes que vinham do interior, em busca de tratamentos de saúde mais avançados, de oportunidade de emprego, ou mesmo a passeio (quando a vida nos sertões se tornava insuportável, sejam quais fossem as circunstâncias).

Não, essa família não morava no interior, mas numa favela, à beira-mar, numa grande cidade, de um grande país, não muito distante de nós. Um dos mais novos, o nosso José, procurava ajudar à mãe no que podia. Era bastante prático e não se encabulava de, após as aulas da manhã (era aplicado e sempre gostou de estudar), ir para os semáforos mais próximos vender balinhas, ou fazer malabarismo com três, quatro, ou cinco laranjas (quando as tinha).

À tardinha, gostava de perambular pela praia, não para cobiçar as coisas bonitas e caras que os meninos de sua idade exibiam, bonés, MP5, celulares, roupas de grife... não! Nada disso. José tinha algo no seu íntimo que superava todas essas quinquilharias modernas.

Mãos nos bolsos furados do calção meio sujo e rasgado, José, andando pela areia fininha da praia, gostava de ver o mar. Apenas isso, olhar para o mar, para a linha do horizonte e... olhar para o mar. Imaginava o que estava por trás, além daquela linha. Aprendera na escola que o mundo era redondo e se questionava permanentemente por que toda aquela água não esborrotava para cá ou para lá; imaginava se, do outro lado daquele montão de água, também havia meninos como ele, pobres, mas que apenas gostavam de olhar para o mar, tão grande, tão... infinito.

Pés descalços, chutava vez por outra algum montículo de areia, feito pela pegada de alguém que tinha passado por ali há pouco tempo. Olhar para o mar e chutar a areia. Era a sua diversão. E, entre um chute e outro, o montículo de areia se desfazia, e era esparramado à sua frente, numa decomposição de centenas de grãozinhos de areia, à semelhança de uma chuva de estrelas cadentes, não no céu, mas no chão. O espetáculo se tornava sem igual quando ele estava contra o sol, no finzinho da tarde, e os esparsos raios tocavam o solo, produzindo um efeito visual incrível. As areias eram estrelas...

Catava conchinhas, daquelas pequenininhas que todos nós gostamos de catar quando estamos na praia. Olhar o mar, chutar a areia, catar conchas. Era não apenas a sua diversão, mas também a sua contemplação. Com o tempo, José não se acostumou àquela rotina diária, mas, pelo contrário, a cada dia o mar trazia ventos diferentes para José, a cada dia, novos montículos de areia eram chutados e formas diversas eram moldadas (nunca havia uma igual à outra na sua imaginação), a cada dia, novas conchas, com detalhes, tamanhos, formas, ondulações e cores diferentes a povoar a curiosidade e o “espanto” de José.

Por que um mar tão grande assim? Por que tanta areia que nunca acaba? Por que tantas conchas?

José tinha algo a mais do que os meninos ricos que, por vezes, até zombavam do seu calção sujo e furado. Os meninos ricos se preocupavam apenas com os seus penduricalhos. José se preocupava com as suas dúvidas. Aos doze anos, enfrentando a pobreza e as dificuldades que a vida e a sociedade lhe impuseram, já era um filósofo. Não se contentava com as pseudo-respostas simplórias que lhe vinham à mente, ou que alguém lhas dava, frente a tantas perguntas, mas estava sempre “espantado”, como o velho Platão, que não perdia o encanto, a estupefação e o medo pelo tudo e pelo todo.

Um pequeno filósofo que não se cansava de olhar para o mar, de chutar a areia e de catar conchinhas... e de fazer disto um sonho filosófico. E você, caro leitor, ainda se admira com a grandeza do mar da vida, com as areias das praias de nossa existência e com as conchinhas do nosso ser? Ou tudo já virou rotina?

21 de janeiro de 2011

O FIM



Estamos perto do fim, pois do começo já nos distanciamos. O fim deste artigo se aproxima, pois você já o começou a ler. Estamos perto do fim do dia, pois o sol nascente anuncia o seu ocaso. O fim da semana já acena, pois o domingo terminou. O mês de janeiro está ultrapassado, o dia primeiro findou. O ano de 2011, novinho em folha, é certo que se extinguirá, pois teve um início. O fim é natural e não nos deve assustar.
Reflexões sobre o começo e sobre o fim, sobre a duração que evidencia a finitude são cada vez mais recorrentes quando testemunhamos tragédias como as que ora assolam Rio de Janeiro e São Paulo. Bairros inteiros, com seus habitantes e moradias, foram soterrados pela enxurrada de lixo e lama que desceu dos morros.
Ricos e pobres, neste momento, jazem insepultos nas antigas ruas e casas onde moravam. Em putrefação, ninguém pode mais exigir prioridade no atendimento por que seja branco ou rico. Todos fedem do mesmo jeito. Eles, que um dia começaram e no outro terminaram. Que garantias há em confiar si mesmo? Nenhuma.
Bom... tragédias anunciadas! Todo ano é assim! Não me assusto com a fúria da natureza. Ela é mais do que prevista (mesmo quando imprevisível). Espanto-me, sim, e muito, com a inércia e a lerdeza dos governantes em tomar medidas que amenizem a reação natural. Isso, sim, é imprevisível. Quem deveria ser ágil é lento e negligente.
É necessário que o Estado acorde de seu berço esplêndido e assuma o seu verdadeiro papel, qual seja a garantia dos direitos fundamentais do cidadão, que se desdobram em qualidade de vida, saúde, segurança, habitação etc. É impressionante como são gastos mais de milhão de reais em fogos de artifício na virada do ano, mas, nos hospitais, se permita que bactérias tirem a vida das pessoas, ou que sejam construções irregulares, sob a vista grossa de quem se diz fiscal.
O fim se aproxima. O do artigo, da semana, do mês, do ano e da vida. O fim é certo, contudo, ele não precisa ser antecipado, nem pelo nosso conformismo, nem pela irresponsabilidade dos nossos representantes.
Já basta de tanta conversa bonita das mesmas pessoas que querem se perpetuar no poder, construindo o edifício da cretinice sob o alicerça da incompetência.

7 de janeiro de 2011

A ESCRAVIDÃO DOS NOVOS TEMPOS


                                A era digital está nos castrando.
Ao invés de nos tornarmos mais humanos, nos tornamos iguais à máquina que está à nossa frente. Ilusoriamente, atribuímos ao computador uma aura de gênio, enquanto nos limitamos ao que ele nos propõe. Nem mesmo questionamos a validade da informação quando, por exemplo, no editor de texto uma palavrinha aparece grifada de vermelho (o computador nos “dizendo” qual a palavra “correta”).
                  O e-mail’s, por exemplo, grandes assassinos da educação e da cortesia, fazem com que sejamos lacônicos, sumaríssimos. Não se deseja mais um bom dia, ou uma boa tarde. Não se começa mais um texto citando o nome da pessoa. E isto é muito ruim.
                   Recentemente, recebi a seguinte mensagem em meu endereço eletrônico: “Não recebi o seu trabalho ainda. Aguardo. Att: Fulano”. Tratava-se de um texto a ser redigido e entregue a esta pessoa que, sem perceber, também tornou-se, ao meu ver, “escrava do computador”.
O que é isso?!?! Onde estão os bons modos, ou, pelo menos, a formalidade epistolar aprendida na escola? Urbanidade é palavra que sumiu de nosso cotidiano. A encontramos apenas no dicionário.
Porém, a coisa não para por aí. Sistemas educacionais, comerciais, bancários nos escravizam. É, por vezes, impossível ao usuário refazer uma ação, “porque o sistema não permite”. Ora, “pras favas” com o sistema.
O mais grave é que injustiças tremendas são feitas por causa do “sistema”. Então, preferível que o sistema não existisse. Antes o lápis e a borracha. Antes a calculadora. Antes a saudosa máquina de datilografia. Antes a educação e a justiça.
Sugiro que façamos uma revolução. Não com paus, pedras ou armas. Mas, uma revolução da auto-afirmação do homem perante as imposições e escravidões eletrônicas e informáticas. Resgatemos os bons modos nos nossos e-mail’s. Sejamos mais flexíveis quanto aos “sistemas”, muito particularmente quanto está em jogo o direito alheio.
O computador deve existir para o homem e não o homem para o computador.
Libertemo-nos e sejamos mais seres humanos. 

2 de janeiro de 2011

LAVAGEM DE DINHEIRO

Transparência e credibilidade

Reflexão do Pe. Lombardi sobre as novas normas vaticanas

CIDADE DO VATICANO, sábado, 1º de janeiro de 2011 (ZENIT.org) - Apresentamos, a seguir, a reflexão do Pe. Federico Lombardi, SJ, sobre as novas medidas emanadas pelo Motu Proprio do Papa para prevenir e contrastar as atividades ilegais no campo financeiro e monetário.
* * *
A publicação de hoje de novas leis para o Estado da Cidade do Vaticano e para os Dicastérios da Cúria Romana e os organismos e entidades dependentes da Santa Sé é um evento de relevante importância normativa, como também de significado moral e pastoral de amplo alcance. Todas as entidades ligadas ao governo da Igreja Católica e àquele seu "suporte" que é o Estado da Cidade do Vaticano são, a partir de hoje, inseridas, em espírito de sincera colaboração, no sistema de princípios e instrumentos jurídicos que a comunidade internacional está edificando com a finalidade de assegurar uma convivência justa e honesta num contexto mundial sempre mais globalizado; contexto em que, infelizmente, as realidades econômicas e financeiras são, não raramente, campo de atividades ilegais, como a reciclagem de dinheiro oriundo de atividades criminosas e o financiamento ao terrorismo, verdadeiros perigos para a justiça e a paz no mundo.

O Papa afirma, sem meios termos, que "a Santa Sé aprova esse empenho" da comunidade internacional "e com isso faz suas as regras" das quais ela se dota "para prevenir e contrastar" esses fenômenos terríveis. Desde sempre as atividades ilegais demonstraram uma extraordinária capacidade de insinuar-se e de poluir o mundo econômico e financeiro, e o seu desenvolver-se internacionalmente e o uso das novas tecnologias as tornaram sempre mais evasivas e capazes de mascarar-se, de modo que para defender-se tornou-se urgentíssimo constituir redes de controle e informação mútua entre as autoridades prepostas para a luta contra elas.

Seria ingênuo pensar que a inteligência perversa que guia as atividades ilegais não busque aproveitar justamente dos pontos fracos e frágeis por vezes existentes no sistema internacional de defesa e de controle da legalidade, para introduzir-se nele e violá-lo. Por isso, a solidariedade internacional é de importância crucial para a solidez de tal sistema, e é compreensível e justo que as autoridades nacionais de vigilância e os organismos internacionais competentes (Conselho Europeu e, em particular, o GAFI: Grupo de Ação Financeira Internacional contra a reciclagem de capitais) vejam com olhos favoráveis os Estados e as entidades que oferecem as garantias exigidas e imponham, por sua vez, vínculos maiores a quem não se adequa a essas.

Isso vale naturalmente também para a Cidade do Vaticano e as entidades da Igreja que desempenham atividades econômicas e financeiras. A nova normativa responde, portanto, ao mesmo tempo, à exigência de conservar uma eficaz operacionalidade das entidades que atuam no campo econômico e financeiro para o serviço da Igreja Católica no mundo, e, mais ainda, à exigência moral de "transparência, honestidade e responsabilidade" que, em todo caso, devem ser observadas no campo social e econômico (Caritas in veritate, 36).

A aplicação das novas normativas exigirá certamente muito empenho. Há a nova Autoridade de Informação Financeira cuja atividade deve ser iniciada. Existem novas obrigações a serem respeitadas. Novas competências a serem exercidas. Para a Igreja, delas só poderá vir o bem. Os organismos vaticanos serão menos vulneráveis diante de contínuos riscos que se correm inevitavelmente quando se maneja o dinheiro. Serão evitados, no futuro, aqueles erros que tão facilmente se tornam motivo de "escândalo" para a opinião pública e para os fiéis. Em suma, a Igreja será mais "crível" diante da comunidade internacional e de seus membros. E isso é de importância vital para a sua missão evangélica. Hoje, 30 de dezembro de 2010, o Papa assinou um documento de natureza para ele um tanto incomum, mas de grande coragem e grande significado moral e espiritual. É um modo bonito de concluir este ano, com um passo concreto na direção da transparência e da credibilidade.

(Com Rádio Vaticano)

31 de dezembro de 2010

FELIZ 2011



Neste final de ano,

desejo a todos os meus amigos e leitores deste blog

um 2011 cheio de vida, paz, serenidade, equilíbrio, 

prudência, decisão, alegria, justiça, responsabilidade e fé.

Em 2010, fomos abençoados com muitas coisas boas. 

Guardemo-las  em nossos corações.

O que de ruim aconteceu concorreu para o nosso 

crescimento. 

Demos graças a Deus por tudo.

Peçamos a Ele pelo ano que se inicia.

Continuemos caminhando juntos, tentando construir um 

mundo melhor de se viver.


Renato Moreira de Abrantes

29 de dezembro de 2010

BOM DE OUVIR... SANCTUS, DE MOZART, AO SOM DE LÍBERA

DITADO ORIENTAL


"Se dois homens vêm andando por uma estrada, cada um carregando um pão e, ao se encontrarem, eles trocarem os pães, cada homem vai embora com um pão. Porém, se dois homens vêm andando por uma estrada, cada um carregando uma idéia, e, ao se encontrarem, eles trocarem as idéias, cada homem irá embora com duas idéias..."