17 de novembro de 2010

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: COVARDIA


                Ninguém agüentava mais aquela gritaria. E, pior, era toda noite. Os vizinhos já cogitavam a hipótese de fazer algo para livrar os pobres infelizes da surra cotidiana. A cena se repetia sem nenhum motivo, a não ser pela embriaguez do pai e marido que, fora de si, fazia da esposa e filhos a latrina em que depositava todos seus dejetos psicológicos.

            Frustrado consigo mesmo, Joaquim sentia que, batendo nos seus, era superior a alguém, ao menos em casa. Estudou pouco, nunca tinha conseguido um emprego descente, muito menos o respeito de ninguém. Justamente por isso, começou a fazer bicos. Houve um tempo em que o futuro esteve em suas mãos. Porém, fez besteira. Entregou-se à bebida, que nunca mais o largou. Era um escravo. E escravizava aos que com ele moravam.

            Maria nunca ousou denunciar o marido, embora já tivesse ouvido falar numa tal “lei Maria da Penha”. Aquela Maria não tinha a cor branquinha, não estudou e não tinha independência financeira. Mas, havia uma coisa que Maria, não a da Penha, tinha: cinco filhos que, todas as noites, dividiam as dores da surra.

            Há muitos anos que a sina de Maria era aquela. Depois de um dia inteiro de cócoras na beira do açude, lavando roupas para colocar alguma comida dentro casa, seu esposo chegava bêbado. Ele sempre saía de casa cedinho, dizendo que ia procurar um emprego. Mas, todos sabiam: ia para o bar, onde não faltava quem lhe oferecesse uma dose.

            Os colegas de copo se divertiam, embriagando Joaquim que, bêbado e fora de casa, era manso como um cordeiro. Era tido como humorista, pois contava piadas com ninguém. Porém, quando chegava em casa,  a mansidão se transformava em fúria e as anedotas em socos e pontapés.

Sentia raiva de si mesmo, pois não tinha conseguido não beber, raiva dos outros, que o tinham convencido a “tomar todas e mais uma”, raiva de quem lhe dissesse algo. Maria não calava. E Joaquim, que não conhecia o ditado segundo o qual “homem não bate em mulher”, deixava a mansidão de lado e se transformava num louco furioso. No outro dia, tudo se repetia.

            A violência já rendera a Maria um braço fraturado, muito mal consertado pelo hospital público (afinal, também aqui, Maria não é a da Penha), três dentes quebrados, resultado de um soco certeiro do seu “companheiro” e muitos, muitos hematomas que todas as noites se renovavam.

Os meninos apanhavam menos. Parecia até que Joaquim tinha um pouco mais de condescendência com as suas crias. Neles, o “pai” espancava até a frutífera intervenção da MÃE. E aquilo que era poupado aos meninos, era atribuído a Maria.

Ela nunca quis denunciar Joaquim ao doutor delegado. Sabia das conseqüências. O tal “auxílio reclusão” daria muito trabalho, talvez nem “saísse”. Ademais, Maria queria ver seus filhos crescer com um pai dentro de casa, um pai ruim, mas um pai, o mesmo homem que um dia ela amou. Agora não mais. Com medo, e com um pouco de inveja da Maria da Penha, a Maria da lei, nossa Maria, simplesmente Maria Lavadeira, aceitava a sua sina, esperando a morte por sossego.

Caro leitor, há muitas “Marias” apanhando dos seus esposos, companheiros, filhos. A história acima não é fictícia. Acontece diariamente em nossas cidades. Quem se cala é tão covarde quanto quem bate. Denuncie. Ligue para a polícia. Trata-se de uma ação penal pública incondicionada, ou seja, o “dono da ação”, o Ministério Público, agirá independemente da vontade da vítima. A autoridade policial “adotará, de imediato, as providências legais cabíveis” (Lei 11.340/06, Lei Maria da Penha, art. 10, caput) e o juiz determinará a inclusão da mulher em situação de violência familiar em programas assistenciais. Se assim não é, assim deveria ser.

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