Sobre a mesa, o porta-treco abriga as canetas, uma de cor vermelha, outra de cor preta. Elas já serviram para escrever muitas páginas e sua tinta já está no fim. Comprei-as novas. Sim, novinhas, na livraria do senhor Genival, um senhor idoso de venerandos bigodes, morador de Utopos.
A fala suave e pausada do dono da livraria remete-me a um passado não tão distante, em que ainda comprávamos canetas. Isto, quando adolescente, pois, quando criança, os deveres escolares eram feitos com lápis grafite. Por isso não comprávamos canetas. Os bastonetes de madeira eram apontados à gilete pela minha mãe. Ela tinha esse cuidado, pois me protegia de um acidente nada desejado. Minhas mãos eram pequenas e finas, e um corte numa lâmina derramaria muito sangue, além de me fazer chorar. Minha mão não me queria ver chorar.
Lapiseira nem pensar. Instrumento perigoso que, em pouco tempo, consumia o lápis. A gilete era mais econômica. Havia, contudo, umas lapiseiras que me encantavam: aquelas que guardavam em seu interior o que do lápis era devorado, como o pó do grafite e as tranças encaracoladas e coloridas da madeira. Não, canetas não. Na minha infância, nem canetas, nem lapiseiras: apenas lápis e giletes.
Eu e os colegas de ensino básico invejávamos os da quinta série que, esnobes, empunhavam canetas coloridas. Eles podiam usar. E as usavam como espécie de passaporte para a maioridade.
Os cadernos também eram motivo de dor de cotovelo. Enquanto nós, sub-raça estudantil da quarta série abaixo, utilizávamos um caderninho para cada disciplina, eles lançavam mão de cadernos de diversas “matérias”, carregando-os sem a necessidade (ou obrigatoriedade) de mochilas. Olhávamos para eles com ar de inferioridade, duvidando um pouco se um dia usaríamos canetas e cadernos grandes, de matéria.
O tempo passou e já não uso mais lápis. Continuo usando canetas. Quanto à lapiseira, herdei da minha mãe a mania de apontá-los com gilete (hoje, estilete), para não gastá-los mais que a conta. Os cadernos também já fizeram parte do meu cotidiano estudantil. E foram muitos. Passei pela inaudita quinta série e terminei o “primeiro grau”; passei pelo sôfrego terceiro ano e concluí o “segundo grau”; entrei para a academia, onde cursei filosofia e teologia, e onde, ainda, estou cursando direito. Dela sou professor (quem diria!). Adepto das canetas, é claro.
Não as abandono. Meus lápis e minhas canetas repousam serenas no porta-treco da minha mesa, trazidas que foram da livraria do senhor Genival, o senhor idoso de venerandos bigodes que me faz valorizar minha história.
Nenhum comentário:
Postar um comentário